Até 25% da vegetação nativa do Brasil pode estar degradada
5 de julho de 2024
Uma nova plataforma da rede MapBiomas aponta que entre 1986 e 2021 o Brasil apresentou entre 11% e 25% de sua vegetação nativa suscetível ao processo de degradação. Isso corresponde a uma área que pode ir de 60,3 milhões de hectares até 135 milhões de hectares.
Mais da metade (64%) do Brasil está coberto por vegetação nativa. A versão beta da plataforma de vetores de degradação do MapBiomas permite gerar de forma inédita cenários sobre o impacto de diversos fatores que podem causar a degradação sobre esse tipo de vegetação em todo território brasileiro.
“Essa é a primeira vez que a degradação pode ser avaliada de forma mais ampla e em todos os biomas brasileiros, mas sabemos que esse processo de degradação ocorre em outros tipos de cobertura, como na agricultura e pastagem, além dos solos e na água, onde pretendemos avançar também com essas informações no MapBiomas nos próximos anos”, destaca Tasso Azevedo, coordenador geral do MapBiomas.
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Os vetores de degradação considerados pela equipe do MapBiomas nesta primeira edição da plataforma incluem o tamanho e o isolamento dos fragmentos de vegetação nativa, as suas áreas de borda, a frequência do fogo e o tempo desde a última queimada, além da idade da vegetação secundária.
O levantamento se limita à vegetação nativa, não incluindo a degradação em áreas antropizadas, tais como lavouras e pastagens. Também não foram analisadas áreas de voçorocas, desertificação e expansão de areais. Isso significa que os números apurados não refletem a totalidade da degradação do território brasileiro.
Mata Atlântica é o bioma mais degradado
Os maiores valores proporcionais de áreas suscetíveis ao processo de degradação são observados na Mata Atlântica. Considerando o intervalo entre um cenário mais restritivo e outro mais amplo, esses valores podem variar entre 36% (12 milhões de hectares) e 73% (24 milhões de hectares) da área de vegetação nativa que ainda resta no bioma.
“A alta fragmentação dos remanescentes florestais na Mata Atlântica é um fator importante na construção desses valores. A combinação de vetores como área de borda, tamanho dos fragmentos e isolamento dos remanescentes mostra que grande parte do bioma está vulnerável às pressões antrópicas, que podem levar tanto à degradação como até ao colapso de áreas importantes para a conservação do bioma”, alerta Natalia Crusco, da equipe da Mata Atlântica do MapBiomas.
Cerrado tem a maior área absoluta de degradação no Brasil
O intervalo com maior área absoluta degradada do Brasil fica no Cerrado, onde a degradação pode ir de 18,3 milhões de hectares a 43 milhões de hectares – área que corresponde a 19,2% e 45,3% da vegetação nativa remanescente no bioma, respectivamente.
“O Cerrado é um bioma com forte presença da agropecuária, já bastante fragmentado, de modo que as áreas de borda são importantes vetores na disseminação de espécies exóticas invasoras, como por exemplo gramíneas africanas. Essas gramíneas são uma das principais ameaças para o bioma, pois além de diminuírem a biodiversidade, aumentam significativamente a biomassa disponível e favorecem a ocorrência de queimadas mais frequentes e intensas do que aquelas que o bioma está adaptado”, explica Dhemerson Conciani, pesquisador do IPAM que faz parte da equipe do Cerrado do MapBiomas.
Pantanal: o fogo como fator de degradação
No Pantanal, a área degradada pode variar de 800 mil hectares (6,8%) até 2,1 milhões de hectares (quase 19%). Embora seja um bioma que convive com o fogo, a incidência de incêndios nos últimos cinco anos fez com que 9% das formações florestais no Pantanal, que são áreas sensíveis ao fogo, tenham sido prejudicadas.
Eduardo Rosa, da equipe Pantanal do MapBiomas, ressalta que alguns dos vetores de degradação do Pantanal que extrapolam a análise aqui proposta devem levar em consideração todo o entorno do bioma, uma vez que todos os rios que irrigam naturalmente a planície pantaneira nascem em áreas de planalto. “A remoção de vegetação nativa para a expansão agrícola e pecuária desprotege o solo e interfere na distribuição de água e sedimentos. A quantidade e a qualidade de água que chega na planície depende, ainda, de barragens e hidrelétricas que alteram os fluxos naturais da água”, detalha. “Questões climáticas relativas a precipitação e temperatura regulam as secas e inundações. O aumento de períodos de estiagem tem dificultado a resiliência do ecossistema pantaneiro”, acrescenta.
Mais da metade da vegetação nativa do Pampa pode apresentar algum nível de degradação
No caso do Pampa, a área degradada pode ocupar mais da metade do que resta de vegetação nativa nesse bioma, podendo ocupar de 1,7 milhão de hectares (quase 19%) a 4,8 milhões de hectares (55%).
“O Pampa é um bioma que sofre forte efeito antrópico, com uma ocupação bastante densa e antiga. O fato dos usos antrópicos estarem distribuídos de modo relativamente homogêneo na paisagem amplia muito a exposição aos efeitos de borda. Além disso, pelo menos um quarto da vegetação campestre, típica do bioma, é secundária, estando em diferentes estágios de recuperação. O panorama do Pampa em termos de degradação é bastante crítico, especialmente porque ainda não foram avaliados vetores notadamente importantes, como a invasão por gramíneas africanas e o sobrepastejo por excesso de carga animal”, comenta Eduardo Vélez, da equipe do Pampa MapBiomas.
Na Caatinga, a degradação pode desencadear processos de desertificação
Estima-se que na Caatinga pode haver 9 milhões de hectares (pouco mais de 18%) a 26,7 milhões de hectares (quase 54%) de vegetação possivelmente degradada. A análise das áreas de fragmentos de vegetação nativa deste bioma, sob diferentes classes de tamanho dos fragmentos (3, 5, 10, 25, 50, 75 hectares), revela que houve um aumento na fragmentação nos últimos 37 anos. Em média, independentemente da classe de tamanho, ocorreu um incremento de 1% na área de fragmentos.
“Na Caatinga esses vetores de degradação associados a mudanças de uso da terra e às condições climáticas áridas e semiáridas podem contribuir para aumentar os limites das áreas suscetíveis à desertificação, onde são exauridas as condições naturais, causando a deterioração do solo, chegando ao colapso”, ressalta Deorgia Souza, da equipe Caatinga do MapBiomas. “O mapeamento do solo exposto na Caatinga é um dos indicadores do processo de desertificação e que pretendemos incluir na próxima versão da plataforma”, complementa.
Amazônia tem a segunda maior área degradada do Brasil
O maior bioma brasileiro, a Amazônia, exibe percentuais baixos: de 5,4% a 9,8%. Em extensão, no entanto, os números a colocam na vice-liderança dos biomas mais degradados: de quase 19 milhões de hectares a 34 milhões de hectares – extensão menor apenas que a do Cerrado.
“Outros vetores como extração madeireira, abertura de estradas e estresse hídrico por mudança climática também são importantes para entender o processo de degradação da floresta amazônica”, aponta Carlos Souza Jr., da equipe da Amazônia do MapBiomas. “Estes são indicativos adicionais de que a área degradada no Brasil pode ser maior do que foi possível identificar com esta plataforma”, completa.
O que é degradação
A vegetação nativa (florestas, savanas, campos, áreas pantanosas etc.) está sujeita a dois tipos principais de ameaças: a supressão (desmatamento) e a degradação. O primeiro caso é quando ela é totalmente removida, sendo substituída por algum uso antrópico (ex. agricultura). No segundo caso, ela não é removida, mas sofre o efeito de fatores que alteram a sua composição biológica e seu funcionamento.
Os vetores de degradação considerados pela equipe do MapBiomas nesta primeira edição da plataforma incluem o tamanho e o isolamento dos fragmentos de vegetação nativa, as suas áreas de borda, a frequência do fogo, o tempo desde a última queimada e a idade da vegetação secundária. Existem outros vetores que também levam à degradação da vegetação, como a invasão de espécies exóticas, o corte seletivo de madeira, o sobrepastejo, o pisoteio excessivo por rebanhos animais entre outros, mas que por limitações metodológicas ainda não puderam ser incluídos.
As áreas de borda, ou seja, as áreas de contato entre a vegetação nativa e usos antrópicos, são vetores de degradação porque a vegetação nativa fica mais exposta aos efeitos negativos dos ventos, da radiação solar e da deriva de agrotóxicos aplicados nas lavouras adjacentes. Além disso, pode sofrer taxas de predação de animais mais elevadas e é mais suscetível aos incêndios induzidos por humanos.
Outro vetor avaliado – o tamanho dos fragmentos de vegetação nativa – tem relação direta com a quantidade e variedade da fauna e da flora presente. “Quanto menor o fragmento, maior o risco de extinções locais de espécies, menor a probabilidade de recolonização por indivíduos vindos de outros fragmentos e maior é a proporção dos efeitos de borda. Esse problema é ainda mais grave se o fragmento pequeno de vegetação nativa estiver mais distante de fragmentos grandes. O isolamento compromete o fluxo gênico, impedindo a chegada de novas espécies ou a reposição daquelas que se extinguiram localmente”, explica Marcos Rosa, coordenador técnico do MapBiomas.
O fogo na vegetação nativa pode ou não representar um fator de degradação. Isso porque alguns tipos de vegetação naturais, como campos e savanas, possuem uma história evolutiva de convivência e adaptação ao fogo. Em contraste, os ecossistemas florestais não são adaptados à exposição frequente ao fogo e são mais suscetíveis à degradação causada por incêndios. O fogo nessas áreas resulta em perda de biodiversidade, degradação do solo e em alteração na estrutura da vegetação.
A vegetação secundária é área que foi desmatada anteriormente e que está em processo de regeneração da vegetação nativa. As funcionalidades da vegetação secundária para o clima, solo e água difere daqueles da vegetação primária. Com o passar dos anos, a estrutura e a funcionalidade dos fragmentos de vegetação secundária tendem a melhorar devido ao aumento da diversidade e a composição de espécies.
Os efeitos de cada um desses vetores podem ser analisados isoladamente, ou em conjunto. Devido às particularidades de cada bioma, a plataforma permite que os usuários tenham opção de escolher os intervalos que representam a provável ocorrência de degradação na área desejada. Para área de borda, estão disponíveis na plataforma classes de 30m a 1000m. Já o tamanho dos fragmentos pode variar de menores de 3 hectares até 75 hectares. A idade da vegetação secundária, frequência e tempo desde o último fogo variam de 1 a 37 anos. Com isso, a plataforma permite até 4,9 milhões de diferentes cruzamentos.
“A degradação é um processo que, se revertido, permite a recuperação da área. Mas se não for interrompido, pode levar a um colapso, ou seja, o ponto a partir do qual não é mais possível recuperar as características originais”, destaca Ane Alencar, diretora de ciência do IPAM e coordenadora do MapBiomas Fogo.
“O panorama revelado na plataforma sobre os possíveis cenários de degradação da vegetação nativa mostra que, além da preocupação com a redução do desmatamento, também é importante cuidar das condições atuais dos remanescentes que ainda existem nos diferentes biomas brasileiros, bem como restaurar as áreas degradadas”, finaliza Julia Shimbo, pesquisadora do IPAM e coordenadora científica do MapBiomas.