Entre 1985 e 2020, a floresta amazônica perdeu mais vegetação nativa do que nos últimos 500 anos desde a colonização europeia. Se as atuais tendências de desmatamento forem mantidas,
a floresta amazônica poderá atingir seu ponto de inflexão ainda nesta década, passando de sumidouro de carbono a emissor de carbono
Acesse o relatório lançado na COP27
Um novo relatório lançado nesta sexta-feira (11 de novembro) na COP27 mostra que uma área de vegetação nativa maior que a Somália foi perdida nas últimas duas décadas na América do Sul e na Indonésia. Usando ferramentas de inteligência artificial e imagens de satélite, os pesquisadores descobriram que importantes biomas na América do Sul e na Indonésia perderam 68 Mha de vegetação nativa nas últimas duas décadas, representando 5,8% de sua vegetação nativa. Essas mudanças levaram a emissões combinadas de mais de 27,4 giga ton CO2, o que representa metade das emissões de gases de efeito estufa (GEE) em todo o mundo em 2020. A maior parte da vegetação nativa foi convertida em áreas de pastagens e agricultura. O levantamento dos biomas mais ameaçados da América do Sul, assim como da Indonésia, foi feito pelo MapBiomas – uma rede colaborativa de instituições locais que mapeiam o uso e cobertura do solo anualmente, tornando o conhecimento sobre o uso do solo acessível para a busca da conservação e do combate às mudanças no clima.
“As conversões em grande escala, principalmente de vegetação natural para áreas antrópicas, estão aumentando as emissões de GEE devido às mudanças no uso da terra, afetando a resiliência climática dos ecossistemas e esgotando os estoques de carbono, o que é preocupante em um cenário de mudanças climáticas”, diz Tasso Azevedo, coordenador geral do MapBiomas. “Esta tendência, que pode ser observada em duas das regiões mais verdes do mundo – América do Sul e Indonésia – destaca a importância da restauração e manutenção de áreas protegidas para mitigar os efeitos das mudanças climáticas”.
Cobrindo 47% da América do Sul, o bioma Amazônia ocupa um lugar de destaque nas prioridades de conservação: ele perdeu mais vegetação nativa (9,6%) entre 1985 e 2020 do que nos últimos 500 anos desde a colonização europeia (8%). A vegetação nativa remanescente de 83% está próxima do ponto de inflexão (20-25% da perda florestal) para a prestação de serviços ecossistêmicos da Amazônia. “Se continuarmos com essa tendência de desmatamento, o ponto de inflexão poderá ser alcançado nesta década, transformando a maior floresta tropical da Terra em um emissor de GEE”, diz Julia Shimbo, Coordenadora Científica do MapBiomas.
Em 35 anos, entre 1985 e 2020, a floresta amazônica perdeu 74,6 Mha de vegetação nativa, área equivalente à Zâmbia. Mais de 45 giga ton CO2 foram emitidas desde 1985 devido ao desmatamento. “O desmatamento e o fogo ameaçam a resiliência da floresta às mudanças climáticas, bem como seu papel como um dos mais importantes sumidouros de carbono do mundo”, explica Sandra Rios, co-coordenadora do MapBiomas Amazônia.
A floresta amazônica brasileira é a mais desmatada, representando 81% da perda de vegetação nativa da Amazônia, ou 60,6 Mha entre 1985-2020. No Brasil, a floresta amazônica perdeu 12,9% de vegetação nativa, enquanto Guiana Francesa, Guiana e Suriname perderam menos de 1% de sua cobertura vegetal nativa no mesmo período.
Mas o bioma mais desmatado da América do Sul – e um hotspot de biodiversidade tropical – é a Mata Atlântica. Ela ocupa 142,3 Mha, ou 8% da região, e perdeu 6,6 Mha, ou 11,3%, de sua vegetação nativa entre 1985 e 2021, resultando em 3 Gton CO2e de emissões de GEE, equivalente a quase um ano de todas as emissões de CO2 da América do Sul. Atualmente a vegetação cobre apenas 37% da extensão do bioma, com a maior taxa de vegetação secundária e paisagens fragmentadas. Assim, a proteção e restauração primária das florestas é fundamental no contexto da mitigação do clima.
A Mata Atlântica brasileira apresentou a maior área de perda de vegetação nativa do bioma (3,8 Mha). No Brasil, o bioma abriga 70% da população humana e 80% da economia. No entanto, nos últimos anos, o Paraguai perdeu proporcionalmente mais, quase 40% de sua vegetação nativa (2,5 Mha). A Argentina teve uma perda de 17,1%, ou 0,3Mha.
O Chaco – uma planície semi-árida coberta por florestas secas mistas, pastagens e pântanos na Argentina, Paraguai e Bolívia – cobre 6,1% da América do Sul, ou 107,8 Mha. Com pouco menos de 80% de sua vegetação nativa ainda preservada, tem, no entanto, uma das maiores taxas de conversão do mundo, devido à expansão da pecuária e da soja em grande escala. Um total de 9,5 Mha de vegetação nativa foram perdidos entre 2000 e 2021, ou 10% em relação a 2000, o que corresponde a 3,8 giga ton CO2 emitido desde 2000 devido ao desmatamento.
A Argentina tem a maior porção do Chaco: 60,3%, ou 65,1 Mha, mas é na Bolívia que encontramos 90% da vegetação nativa do Chaco. A vegetação nativa do Chaco paraguaio e argentino perdeu mais de 8 Mha nas últimas duas décadas para a expansão agrícola. O Paraguai perdeu 16,3% (4,4 Mha); Argentina, 8% (4,4 Mha); e Bolívia, 5,2% (0,6 Mha).
Entre Brasil, Argentina e Uruguai temos o Pampa, uma vasta região anteriormente dominada por pastagens naturais. Quase metade já foi convertida para a agricultura, principalmente para a produção agrícola em larga escala, que cresceu 17,4% nas últimas duas décadas. Ao mesmo tempo, as áreas protegidas representam menos de 0,5% do bioma. Entre 2000 e 2019, o Pampa viu desaparecer 8,5 Mha de vegetação nativa – uma perda de 16,3% em relação a 2000, equivalente a 0,7 Gton CO2.
Enquanto o Brasil teve a maior perda proporcional de vegetação nativa do Pampa (19,6%, ou 2,1 Mha), principalmente devido à expansão da soja, a Argentina sofreu a maior perda de vegetação nativa em termos absolutos (5,1 Mha, ou 17,6%). A perda de vegetação nativa na parte uruguaia do Pampa atingiu 1,2 Mha (10,1%, comparado a 2000).
O Cerrado, a savana mais biodiversa do planeta, localizada em sua maior parte no Brasil, já perdeu metade de sua extensão de vegetação original majoritariamente por causa da expansão da agricultura, principalmente para pastagens e soja. Quase 28 Mha foram perdidos entre 1985 e 2021, o que corresponde a 4,2 giga ton CO2. A região de fronteira agrícola Matopiba (nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) concentrou 60% da perda de vegetação nativa no período.
Na Ásia, o arquipélago indonésio compreende mais de 17 mil ilhas com diversos tipos de habitats, abrangendo dois dos hotspots de biodiversidade do mundo. Dos 12,9 Mha de floresta perdidos nas últimas duas décadas, 60,4% foram convertidos para agricultura, palma, silviacultura e, mais recentemente, para expansão da mineração. A perda de vegetação nativa entre 2000 e 2019 foi de 10,2%, ou 13 Mha. Desde 1985, 5,9 giga ton CO2 foram emitidos devido ao desmatamento.
Sumatra é a região com a maior perda de vegetação nativa nas últimas duas décadas – 6,1 Mha, convertidos principalmente para agricultura. Essa perda a tornou a região com maior cobertura de terras agrícolas em 2019 (65%), superando a região de Jawa-Bali-Nusa (59% da agricultura). Nesta última, a perda de vegetação nativa foi de 5,5%, ou 0,4 Mha – bem abaixo de Bornéu, onde 13,9% da vegetação nativa foi perdida entre 2000 e 2019, ou 5,4 Mha.
Proteção
Uma das estratégias de conservação, a implantação de parques nacionais e terras indígenas, ainda é fraca em alguns biomas, ou insuficiente para conter a perda de vegetação nativa. Apenas a Amazônia apresenta 63% de sua vegetação nativa sob algum tipo de nível de proteção; nos demais biomas, menos de 20% da vegetação nativa está protegida.
O sucesso dessa estratégia se traduz em números: na Amazônia, 90% do desmatamento ocorreu fora de terras indígenas ou outras áreas protegidas entre 1985 e 2020. As terras indígenas são as áreas mais protegidas da Amazônia: apenas 1,2% (2,9 Mha) de sua vegetação nativa foi perdida desde 1985.