Apesar disso, mais de 70% dessas áreas ainda estão preservadas
Pelo Código Florestal, as faixas às margens de rios, córregos e nascentes são áreas de preservação permanente (APPs). Sua extensão é determinada pelas características dos cursos d’água, tais como a sua largura, sendo que o mínimo é de 30 metros para os rios mais estreitos podendo chegar até a 500 metros para os rios mais largos . Para saber o quanto essas APPs estão (ou não) conservadas em ambientes urbanos, o MapBiomas analisou imagens de satélite entre 1985 e 2020. Os resultados mostram que nesse período dobrou a área urbanizada nessa faixa que, por lei, deve seguir regulamentos específicos para a sua ocupação. As áreas cobertas por construções e infraestruturas a pelo menos 30 metros dos corpos hídricos (como rios e córregos) dentro de cidades passaram de 61,6 mil hectares em 1985 para 121 mil hectares em 2020.
“Este é um dado que por si só é preocupante, já que a proximidade de construções e infraestruturas urbanas pode comprometer a qualidade e aumenta a vazão da água, contribuindo para enchentes na estação chuvosa”, lembra Julio Cesar Pedrassoli, coordenador da equipe de infraestrutura urbana do MapBiomas e que participou da elaboração da nota técnica “Análise da ocupação urbana em torno de corpos hídricos no Brasil”. “Com o agravamento da crise climática, que está afetando a regularidade e o volume das chuvas, a preservação das áreas sem construções no entorno de corpos hídricos torna-se crítica para a segurança das pessoas e para a qualidade ambiental”, completa Edimilson Rodrigues, um dos autores do estudo.
As faixas marginais de 30 m de corpos hídricos urbanos ocupam 422 mil hectares no Brasil. Desse total, 71% ainda não estavam urbanizados em 2020. Esses 300,2 mil hectares remanescentes de vegetação, ou não cobertos por áreas construídas, ainda podem ser preservados. Atualmente essa tarefa é das prefeituras que, desde o final de dezembro do ano passado receberam o poder de regulamentar as faixas de restrição à beira de rios, córregos, lagos e lagoas nos seus limites urbanos. Essa atribuição é resultante da alteração do Código Florestal pela Lei 14.285, de 2021, que permite a regularização de edifícios às margens de cursos e corpos d’água em áreas urbanas.
Quase um quinto (19,8%) das áreas urbanizadas a 30 m no entorno de rios e córregos urbanos estão concentradas em apenas 20 municípios. “Isso significa que uma atuação mais rigorosa dessas prefeituras pode preservar ou até mesmo recuperar essas APPs, elevando a resiliência do ambiente urbano a enchentes e melhorando a condição de vida das pessoas”, explica Julio. Desses 20 municípios, 11 são capitais, incluindo as líderes desse ranking: São Paulo (3,73 mil ha), Rio de Janeiro (3,40 mil ha), Fortaleza (1,41 mil ha), Manaus (1,38 mil ha) e Curitiba (1,27 mil ha).
O MapBiomas também calculou os estados com maior ocupação urbana no entorno de rios e lagos. Três estados do Sudeste estão entre os cinco primeiros colocados: São Paulo (12,94 mil ha), Rio de Janeiro (7,28 mil ha), Minas Gerais (6,68 mil ha), Santa Catarina (4,94 mil ha) e Ceará (4,19 mil ha). “ Todos têm registrado episódios dramáticos de enchentes com enormes prejuízos humanos e financeiros, o que reforça a importância de recuperação e preservação das APPs hídricas”, reforça Júlio.
A nota técnica do MapBiomas avaliou Áreas de Preservação Permanente nos perímetros urbanos aprofundando-se em um conjunto de 17 municípios na Amazônia Legal (Rio Branco/AC, Cuiabá/MT, Belém/PA, Boa Vista/RR, Palmas/TO e Manaus/AM) e na Bacia do Paraná (Brasília/DF, Campinas/SP, Campo Grande/MS, Curitiba/PR, Goiânia/GO, Londrina/PR, Ribeirão Preto/SP, Santo André/SP, São Bernardo do Campo/SP, São Paulo/SP e Sorocaba/SP).
Nesse universo, os resultados são mais favoráveis: nele, 82% das APPs hídricas urbanas não estão ocupadas por construções ou infraestrutura, o que representa 48.924 ha cobertos por vegetação ou água em 2020. Ou seja, mesmo as cidades com ocupação urbana densa ainda possuem cobertura vegetal em APPs hídricas. A taxa de cobertura vegetal em APPs hídricas em áreas de urbanização densa nesse conjunto de 17 municípios é liderada por Goiânia (74,93%), Campo Grande (65,43%), Belém (52,77%), Curitiba (52,25%) e Cuiabá (51,26%). No outro extremo, as menores taxas foram encontradas em São Bernardo do Campo (13,06%), Manaus (16,48%), Santo André (17,01%), Boa Vista (17,28%) e Campinas (22,37%).
Porém, quando a análise olha para os estados como um todo, a situação é diferente: dos 27 estados brasileiros, apenas seis têm área coberta por construções e infraestruturas inferior às áreas preservadas na margem de 30 m no entorno de rios e lagos. São eles: Roraima (0,12 mil ha de área urbanizada vs. 0,29 mil ha de áreas não cobertas por construções e infraestruturas), Mato Grosso do Sul (0,38 mil ha vs 0,50 mil ha), Goiás (1,15 mil ha vs 1,16 mil ha), Paraná (2,25 mil ha vs 2,78 mil ha), Rio Grande do Sul (3,11 mil ha vs 3,18 mil ha) e Espírito Santo (3,89 mil ha vs 4,08 mil ha).
“Quando os estados como um todo são analisados, a situação fica mais amena. Isso porque são em municípios específicos, como São Paulo, Manaus, Rio de Janeiro, e as demais capitais, que o problema da ocupação é mais grave”, explica Edimilson.