13 de agosto de 2025
Uma análise detalhada da cobertura e uso da terra no Brasil ao longo dos últimos 40 anos, de 1985 a 2024, revela um cenário de profundas transformações, com impactos significativos nas áreas naturais e na expansão da agropecuária. Nesse período, o Brasil perdeu em média 2,9 milhões de hectares de áreas naturais por ano, totalizando uma redução de 111,7 milhões de hectares entre 1985 e 2024. Essa área, que corresponde a 13% do território nacional, é maior que a Bolívia. Nesse mesmo intervalo, o percentual de municípios que têm a agropecuária como atividade que ocupa a maior parte de seu território subiu de 47% em 1985 para 59% em 2024.
Esse processo, porém, não se deu de maneira uniforme: é o que mostra a mais recente Coleção 10 de mapas anuais de cobertura e uso da terra do MapBiomas. Lançada em 13 de agosto em Brasília, a nova coleção marca os 10 anos de atividades desta iniciativa colaborativa de produção científica. Com 30 classes mapeadas, a edição deste ano inclui uma nova categoria, o mapeamento de usinas fotovoltaicas, que se expandiu pelo país entre 2015 e 2024, com 62% da área mapeada no país concentrada na Caatinga. Todos os dados já estão disponíveis gratuitamente em https://brasil.mapbiomas.org/
“Até 1985 – ao longo de quase cinco séculos com diferentes ciclos da expansão da fronteira agrícola – o Brasil converteu 60% de toda área hoje ocupada pela agropecuária, mineração, cidades, infraestrutura e outras áreas antrópicas. Já os 40% restantes dessa conversão ocorreram em apenas quatro décadas, de 1985 a 2024”, sintetiza Tasso Azevedo Coordenador Geral do MapBiomas.
“O auge dessa transformação foi entre 1995 e 2004, quando o desmatamento atingiu os maiores picos. Mas entre 2005 e 2014, registrou-se a menor perda líquida de florestas desde 1985. Essa tendência se inverteu nessa última década, que foi marcada por degradação, impactos climáticos e avanço agrícola”, enfatiza Julia Shimbo, coordenadora científica do MapBiomas e pesquisadora do IPAM.
1985 a 1994 – Década da expansão do desmatamento
No início da série histórica do MapBiomas, em 1985, o Brasil possuía 80% de seu território coberto por áreas naturais. Porém, de lá até 1994 foi registrado um aumento de 36,5 milhões de hectares de áreas antrópicas, impulsionado principalmente pela expansão de pastagens. Foi nesse decênio que 30% dos municípios registraram seu maior crescimento de área urbanizada.
1995 a 2004 – Década da expansão da agropecuária
O total de floresta suprimida foi superado na década seguinte, entre 1995 e 2004, quando a conversão de floresta para agropecuária totalizou 44,8 milhões de hectares no país. A expansão da pastagem sobre vegetação nativa atingiu seu pico neste período (com 35,6 milhões de hectares). Na Amazônia, o aumento de áreas antrópicas foi de 21,1 milhões de hectares, consolidando o chamado “arco do desmatamento” com a maior conversão de vegetação nativa para pastagem no bioma.
2005 a 2014 – Década da redução do desmatamento e intensificação agrícola
Se em 1995, a cobertura de áreas naturais em todo o território brasileiro havia diminuído para 76%, em 2005 esse percentual era de 72%. Já a década que se desenrolou entre 2005 até 2014 destacou-se por apresentar o menor incremento de área antrópica em 40 anos (+17,6 milhões de hectares).
A terceira década da série histórica, entre 2005 e 2014, foi marcada pela redução da perda de vegetação nativa para classes antrópicas. Neste período, a perda líquida de área de vegetação nativa ficou em 17,1 milhões de hectares – o menor valor entre as quatro décadas. Desse total, 15,4 milhões de hectares eram de floresta (que inclui as classes: Formação Florestal, Formação Savânica, Floresta Alagável, Mangue e Restinga Arbórea). Foi nesta década que ocorreu a menor conversão de formação florestal em áreas antrópicas na Amazônia (7,7 milhões de hectares). Já no Cerrado, a região do MATOPIBA concentrou 80% do desmatamento para agricultura no bioma.
Também neste período ocorreu a maior expansão de agricultura temporária (12,5 milhões de hectares) no país. Ao mesmo tempo, mais de 20,9 milhões de hectares de vegetação nativa foram convertidos para pastagens. Por outro lado, esta foi a década em que a área de pastagem parou de crescer no Brasil.
“Nesta década, as novas áreas de pastagem sobre áreas naturais recém-desmatadas diminuíram, ao mesmo tempo em que a conversão de pastagens já estabelecidas para o uso agrícola ou para a regeneração de áreas naturais aumentou”, acrescenta Laerte Ferreira, coordenador do mapeamento de pastagens no MapBiomas e coordenador do LAPIG na Universidade Federal de Goiás.
A silvicultura também registrou sua maior expansão entre 2005 e 2014, com acréscimo de 2,5 milhões de hectares em relação à década anterior, mas com 71% da conversão para silvicultura sobre áreas antrópicas, ao contrário da década de 1985 e 1994, com 71% da conversão para silvicultura sobre vegetação nativa.
2015 a 2024 – Década do aumento da degradação e impactos climáticos
Na década entre 2015 e 2024, a mineração expandiu-se significativamente, com 58% de sua área atual surgindo nesse período, concentrada principalmente na Amazônia (66%). Foi também nesses dez anos que o Pampa registrou a maior taxa de supressão de campos (-1,3 milhões de hectares), de tal modo que as áreas agrícolas passaram a superar as áreas com campos nativos usados para pecuária. Em 2024, as áreas com uso agrícola totalizavam 7,9 milhões de hectares, enquanto que as áreas campestres ocupavam 5,8 milhões de hectares.
Nesse mesmo decênio, houve uma desaceleração da expansão agrícola em todos os biomas, principalmente no Cerrado e na Mata Atlântica, onde a expansão foi 2,7 milhões de hectares e 3 milhões de hectares menor que na década anterior, respectivamente. Porém, foi quando surgiu uma nova fronteira de desmatamento na Amazônia, nos estados do Amazonas, Acre e Rondônia– a Amacro.
Os ciclos de inundação no Pantanal tem reduzido a cada década, culminando em 2024 como o ano mais seco dos últimos 40 anos. A Amazônia também enfrentou secas severas nesta década, com 8 dos 10 anos de menor superfície de água da série histórica registrados na última década.
“Ainda nesta década, o desmatamento em vegetação secundária superou o de vegetação primária na Mata Atlântica e no Pampa. Por outro lado, é preocupante o fato de que justamente nesses dois biomas, que são os mais antropizados, as perdas de vegetação nativa não florestal tenham sido as mais altas nessa última década”, comenta Eduardo Vélez, da equipe do Pampa.
O Brasil chega a 2024 com 65% de seu território coberto por vegetação nativa e 32% por agropecuária. A vegetação secundária responde por 6,1% da vegetação nativa no Brasil em média na última década, ou 34,5 milhões de hectares.
Os números da transição de formações naturais para agropecuária
Entre 1985 e 2024 a Formação Florestal foi o tipo de cobertura nativa que mais perdeu área: uma redução de 62,8 milhões de hectares (-15%), extensão ligeiramente maior que o território da Ucrânia. Em segundo lugar vem a Formação Savânica, que perdeu 37,4 milhões de hectares (-25%) – área maior que a Alemanha.
Paralelamente, pastagem e agricultura foram os usos da terra que mais se expandiram. A área ocupada com pastagem cresceu 62,7 milhões de hectares (+68%) e a agricultura, 44 milhões de hectares (+236%). Em 1985, 420 municípios tinham predomínio de agricultura; em 2024, esse número saltou para 1037. Embora em maior número, os municípios com predomínio de pastagem não se expandiram na mesma velocidade, passando de 1592 em 1985 para 1809 em 2024. Proporcionalmente ao tamanho de seus territórios, os estados com maior área de agricultura são Paraná (34%), São Paulo (33%) e Rio Grande do Sul (30%). A silvicultura também teve um crescimento expressivo de 7,4 milhões de hectares (+472%). Em 2024, mais da metade da área de silvicultura do país está no bioma Mata Atlântica (50,6%), seguida do Cerrado (37%) e do Pampa (8%).
No período de 1985 a 2004 foi marcado por taxas de ganho de área de pastagem superando a área de perda, enquanto os períodos seguintes apresentaram uma estabilidade na área total de pastagem. Observa-se uma maior perda de áreas de pastagem em três dos cinco biomas mapeados (Caatinga, Mata Atlântica e Cerrado), com a Amazônia liderando o ganho de novas áreas de pastagem, seguida sutilmente pelo Pantanal.
Em média, 67,5% do ganho de área de pastagem por década ocorreu sobre áreas de formação florestal e savânica. Por outro lado, 25% das áreas que deixaram de ser pastagem voltaram a ser florestas ou savanas.
Um Brasil mais seco
O MapBiomas mapeia diversas categorias de áreas úmidas nos biomas: Floresta Alagável, Campo Alagado, Área Pantanosa, Apicum e Mangue. Juntas, elas ocupavam 84 milhões de hectares, ou quase 10% do território nacional em 1985; em 2024, eram 74 milhões de hectares (8,8% do Brasil). Todos os biomas perderam superfície de água nos últimos 40 anos, com exceção da Mata Atlântica, por conta da criação de reservatórios e hidrelétricas que expandiram a superfície de água principalmente a partir dos anos 2000. As reduções mais drásticas foram observadas no Pantanal, que em 2024 apresentou uma superfície de água 73% abaixo da média registrada entre 1985 e 2024.
A dinâmica dos biomas
A Amazônia perdeu 52,1 milhões de hectares de áreas naturais nos 40 anos entre 1985 e 2024 (-13%), três em cada cinco hectares de agricultura surgiram nos últimos 20 anos. O maior aumento de área antrópica nesse bioma se deu entre 1995 e 2004 (+21,1 milhões de hectares), superando o total desmatado até 1985 (13 milhões de hectares). Fenômeno semelhante foi observado no Pantanal, onde a expansão de áreas antrópicas entre 1985 e 1994 (540 mil hectares) foi similar ao total convertido até 1985 (570 mil hectares). Todos os estados com maior proporção de vegetação nativa ficam na Amazônia: Amapá (96%), Amazonas (95%) e Roraima (94%).
No Pantanal, entre 1985 e 2024 houve perda de 1,7 milhão de hectares (-12%) de áreas naturais (vegetação nativa e corpos d’água convertidas para uso antrópico). A superfície de água se estendia por 24% do bioma em 1985, e em 2024 a água cobriu apenas 3%, do bioma, resultado de uma seca extrema, parte do processo de diminuição das cheias e aumento dos períodos de seca no bioma.
No Cerrado, 40,5 milhões de hectares de vegetação nativa foram suprimidos entre 1985 e 2024 (-28%). Na Caatinga, essa redução foi de 9,2 milhões de hectares (-15%). Na Mata Atlântica, foram 4,4 milhões de hectares (-11%). Todos os estados com menor proporção de vegetação natural ficam total ou parcialmente na Mata Atlântica: São Paulo (22%), Alagoas (22%) e Sergipe (23%). Na Caatinga, no Cerrado e na Mata Atlântica, a maior parte da expansão antrópica ocorreu antes de 1985.
“A cobertura florestal da Mata Atlântica está praticamente estável nas duas últimas décadas, mas enquanto observamos o aumento das florestas secundárias em regeneração ainda persiste o desmatamento das florestas maduras, mais ricas em biodiversidade e em estoque de carbono”, afirma Marcos Rosa, coordenador técnico do MapBiomas.
O Pampa foi o bioma com a maior perda proporcional de vegetação nativa nos últimos 40 anos (-30%, que equivale a 3,8 milhões de hectares). Essas perdas se intensificaram na última década (2015 a 2024), quando foram suprimidos 1,3 milhão de hectares de formações campestres.
Um terço das usinas fotovoltaicas do Brasil fica em Minas Gerais
Com a Coleção 10 de mapas de cobertura e uso da terra no Brasil, o MapBiomas passa a identificar também a área ocupada por usinas fotovoltaicas no país. Os dados mostram que o crescimento se deu a partir de 2016, com 822 hectares de área ocupados por instalações de médio a grande porte destinadas à geração de energia elétrica por conversão direta da luz solar, com foco na comercialização da energia. Em 2024, essa área já era de 35,3 mil hectares. Quase dois terços (62%, ou 21,8 mil hectares) estão na Caatinga; cerca de um terço (32%, ou 11,2 mil hectares) fica no Cerrado; e 6% (2,1 mil hectares) está na Mata Atlântica. Juntos, Minas Gerais, Bahia, Piauí e Rio Grande do Norte possuem 74% da área mapeada com usinas fotovoltaicas em 2024: 25,9 mil hectares. Desse total, 13,1 mil hectares, ou 37% de toda a área ocupada por usinas fotovoltaicas no Brasil, estão em Minas Gerais. Quase metade (44,5%, ou 15,7 mil hectares) da área convertida para usinas fotovoltaicas era formações savânicas e 36,6% (12,9 mil hectares) da área convertida para usinas fotovoltaicas era pastagens.